Fruto de um ano que se avizinha sem férias, os fins-de-semana ganharam este ano um sabor especial, aproveitadinhos desde a primeira hora até ao último minuto, sobretudo para me estender ao sol nesta bela terra onde o mar se deita sobre a areia e que dá pelo nome de Esposende.
E, como raramente consigo parar quieto, quem me conhece sabe que o meu conceito de praia é sinónimo de "ondas" e de "mar" - estendido ao sol é mesmo acto exclusivo dos dias sem ondas de jeito. Há nos meus momentos de ondas algo de perfeito, de comunhão plena com a vida, pois é precisamente perante a imensidão do mar que me sinto pequenino, uma pequena gota, e onde sinto a minha vida, toda ela, entregue nas mãos de Deus, num misto de respeito e desafio (é um misto de adrenalina e medo que produz um resultado perfeito).
Ora, como em tudo na vida, nem sempre o plano dá certo, e hoje, apesar de um "plano" ter dado certo, numa tarde de ondas lindas, entubadas, com "power" e transparentes, lembrei-me de uma bela tarde de inverno, aqui há 2 anos atrás, em que o plano quase corria muito mal: depois de duas horas de "pura loucura" com um mar crespado, ao sair, fui enrolado por uma onda que me fez cair com a cabeça entre os godos e que me fez ficar a boiar durante uns longos 30 segundos, perfeitamente consciente, mas sem conseguir mexer os braços e pernas para sair dali. Naquele momento, tentando sentir o corpo para me levantar, já que estava numa zona com não mais que um metro de água, mas sendo sucessivamente enrolado pelas ondas que passavam, tive a noção exacta de que "a brincadeira correu mal"... felizmente, cerca de 30 segundos depois, sem respirar já que estava de cara para baixo, consegui sentir o corpo, ajoelhei-me e saí da água sabe Deus como, apenas com o pescoço em sangue por causa do areão que entretanto tinha entrado na gola do fato de bb.
Perante esse episódio "complicado" da minha vida, jamais passarei indiferente (e já não o passava antes) às dificuldades que têm as pessoas a quem a vida tirou a mobilidade plena - isto porque se no meu caso o único culpado era eu, outros há que não têm culpa nenhuma de ficar limitados a uma cadeira de rodas, a uma cama, ou outra limitação qualquer.
Ora, face a esta dura realidade, não posso calar e consentir com a minha indiferença, que as pessoas com mobilidade condicionada vivam do eterno sentimento de "pena" e de "coitadinho" a que alguns os querem votar. A vida já não é fácil para essas pessoas e a última coisa que precisam é que seja o Estado e os seus representantes a condená-los a viver dependentes da caridade alheia.
Por exemplo, colocando de parte a hipótese de colocação de dois "capangas", "murcões" ou "burros de carga" à porta da Câmara Municipal, há qualquer outra hipótese de uma pessoa de cadeira de rodas entrar nesse edifício? Não será de pensar incluir na requalificação do Largo dos Peixinhos um Jesus Nazareno junto à barca que ora atenda os "paralíticos" ora faça uns milagres e cure o povo? Ou devo antes sugerir a colocação de uma campainha na entrada da CME com a indicação "chamar dois funcionários que gentilmente me carreguem até ao rés-do-chão ou 1.º andar porque sou um coitadinho que precisa da ajuda dos outros para se sentir tratado com igualdade"?
Até quando vamos permanecer indiferentes, sem perceber que as pessoas com mobilidade reduzida só querem ter direito a ser iguais, a terem direito ao seu amor próprio, que só querem de nós um rasgo de bom-senso e não os nossos cobardes sentimentos de "pena"?
É tão fácil ignorar as diferenças quando se olha de cima... e parece que há quem insista em não querer ver, não por cegueira, talvez apenas porque neste caso "o maior coxo é aquele cujo mundo é feito de pequenos horizontes"!
Não me vou alongar... mas cenas destas revoltam-me! Porque hoje podemos estar a pensar nos outros e amanhã a pensar em nós! E quem fala nisto fala na colocação de caixotes de lixo e análogos nas ruas de forma descabida que são verdadeiros atentados à integridade física dos invisuais.
Perante actos destes, digam-me que o Hitler é que era mau quando desejava uma "raça perfeita"!! Seremos nós melhores? O dito extreminava os limitados, nós torturámos essas pessoas com a nossa indiferença e com a nossa "pena"!
Enfim... tenho dito!
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