O povo conforma-se e as elites indignam-se!
"Viva as novas oportunidades" grita o tolo nú no meio da praça onde há muito deixou de haver bancos pois os de descanso foram silenciosamente desviados e os de depósito faliram à espera de melhores dias.
O tolo grita a pulmões cheios, como se do grito dependesse o aquecer da alma já que do corpo não sente o frio, pois há muito que a nudez se tornou o melhor agasalho de um estômago moribundo dentro de umas peles de tísico.
E o tolo continua a gritar, ele, que toda a vida foi tolo e assim se conheceu, que nunca foi à escola nem mesmo obrigado, pois tolo que é tolo não precisa de estudar - a mãe natureza ensina a tolaria - e do exemplo dos homens sábios só a "tolaria" lhes conseguiu admirar. Enfim... pobre tolo!
Mas o tolo aprendeu da vida tudo o que a vida lhe quis ensinar, tal qual os pombos que outrora picavam as côdeas de pão que os velhos sentados nos bancos daquele jardim lhe atiravam. Foram-se os bancos, foram-se os velhos, foram-se os pombos. Os pombos, tal como o tolo, nunca foram à escola. Aprenderam com a vida que quando um velho atirava pão para o chão era sinal de banquete! Pombos finórios a quem a falta de escola nunca impingiu a fome! Pobre tolo...
Os tempos mudam... os pombos ficaram sem velhos, os velhos ficaram sem pão e sem bancos... e o tolo, habituado a andar nú e com fome fez-se doutor. Continua tolo, é certo, mas é um tolo doutor... e a modos que... em mais dois ou três sábados... será também engenheiro! Continua com fome é certo... mas deixou de ser um tolo analfabeto, desempregado e faminto! Agora é um tolo socialmente aceite, desempregado, esfomeado, mas... licenciado! Isto, em termos de fome, faz toda a diferença. Porque o tolo pode agora ter um cartão de crédito (os pombos jamais terão um cartão de crédito), o tolo pode ficar a dever e o banco pode ficar com mais um euros de crédito incobrável, isto porque, ao contrário dos pombos, ao tolo ninguém atirará moedas nem pão.
Voltamos ao mesmo... pobre tolo!
Um dia desses, assim pela tardinha... o tolo até pode ter um bom carro e uma grande casa durante 30 dias, altura em que vencerá a primeira prestação e que os enviarão um solicitador lá a casa penhorar tudo aquilo que nem sequer era do tolo... no fundo, o tolo era um tipo feliz, até ao dia em que se tornou um inconformado! O erro do tolo foi deixar de se orgulhar de ser quem era, deixar de ter orgulho naquilo que a vida lhe ensinou, deixar de olhar à volta e perceber que os homens são tal e qual os pombos: valem pelo que são enquanto seres e não pelo título ou pelos bens que ostentam.
O mal do tolo foi, depois de toda uma vida orgulhando-se de ser quem era, meteu na cabeça que seria um tolo tal qual os outros tolos, com a quarta classe à noite, o sexto-ano pela tele-escola, o nono e o 12.º pelas novas oportunidades e a licenciatura nos maiores de 23.
No meio desta triunfal escala o tolo esqueceu um pequeno detalhe: licenciar-se ao domingo! Eis a pena diferença entre continuar a ser tolo... e ser 1.º Ministro.
Um dia destes o tolo sairá à rua e num grito tresloucado proclamará uma ode triunfal aos 35 da democracia, alto e em viva voz, se ao silêncio não o obrigar o roncar do estômago: "O Povo vai nú! Vistam o rei!" E será bela a revolução!!
Sem comentários:
Enviar um comentário
Obrigado pelo seu comentário!